Call for Papers

Revista INTERIN (PPGCOM/UTP)

Dossiê Temático: A DESAFINAÇÃO DO MUNDO: TECNOLOGIAS MIDIÁTICAS E ESCUTAS CONTEMPORÂNEAS

Editores convidados: Cássio B. Lucas (UFRJ), Marcelo B. Conter (IFRS) e Vinícius A. Pereira (UERJ)


            A partir dos anos 60, o teórico e compositor canadense R. Murray Schafer (2001) produziu uma importante reflexão sobre as mudanças nas paisagens sonoras e o que entendia como a ameaça da baixa definição (as paisagens sonoras lo-fi) e do ruído na vida cotidiana. Propunha, então, uma limpeza dos ouvidos e uma afinação do mundo como prática ecológica sonora que visava ao bem-estar humano em harmonia com o planeta. Ancorado em um paradigma musical tonal e ocidental, tal proposta, hoje, soa normativa e restritiva quando se considera a miríade de culturas aurais na história e no globo. Mais ainda, a contemporaneidade parece deliberadamente ir de encontro à proposta schaferiana quando ouvimos sons desafinados e ruidosos em diversas abordagens estéticas, como na arte sonora, em práticas comunicacionais mediadas por tecnologias diversas e, em particular, no caso de produtos sônicos do MERSBE, onde ruídos são escutados com o propósito explícito da conquista de bem-estar (PEREIRA, 2021).

É notório que a cultura aural contemporânea ganhou em complexidade com o crescente incremento da cultura tecnológica, em dimensões que vão para além de quaisquer prescrições quanto ao que se deve ou não ser escutado. O dia a dia sônico nos envolve em práticas sonoras cujas dinâmicas e efeitos ainda não compreendemos plenamente: ruídos que, na falta de adjetivos propriamente sonoros, nomeamos com cores (white, pink, brown noises, etc.); "drogas sônicas" como o iDoser e os binaural beats; vídeos de ASMR; tons isocrômicos; sons "naturais" com propósitos múltiplos; ambiências sonoras diversas; dispositivos sonoros de mascaramento do ruído para ambientes de trabalho ou doméstico; peças funcionais geradas por inteligência artificial e mesmo armamentos sônicos (LRAD) para dispersar manifestantes indesejados.

À pesquisa em comunicação cabe refletir não somente sobre o sentido das mensagens em circulação nos meios hodiernos, mas também sobre as práticas não necessariamente significantes de expressão, sobre as reconfigurações das categorias artísticas, sobre os efeitos psicossociais que as novas materialidades sônicas acarretam, sobre as implicações políticas que o som propõe e ensaia. Sobre o modo, em suma, como as sonoridades vão para além da música, da fala e de um sem-número de sons codificados nas culturas urbanas globais, assim como para além de uma dicotomia redutora que distingue peremptoriamente som de ruído.

O presente dossiê propõe um espaço para que os pesquisadores de sonoridades compartilharem suas perspectivas, problemas e resultados de investigações acerca daquilo que possam escutar como expressões de desafinação do mundo, entendida como a singularidade de um modo de percepção de matéria aural que fuja ou reordene modos, estruturas, narrativas, modelos, culturas e paradigmas sônicos hegemônicos e centrais. Percepções aurais que tanto refletem reconfigurações sociotécnicas em curso, quanto antecipam mutações na produção de subjetividades contemporâneas em função de acoplamentos midiáticos entre humano e não-humano. Convidamos os autores, assim, a refletirem sobre as relações entre som, ruído, música, tecnologias, espaços públicos e privados e suas respectivas escutas, abraçando um repertório de expressões sônicas desafinadas, tão ampla ou mais quanto os tópicos seguintes sugerem:

- Mudanças nos hábitos de escuta frente a novas plataformas e aparelhos de reprodução sonora;

- Consumo deliberado de sons não-musicais ou ruidosos;

- Relação entre playlists de longa duração e jornada de trabalho/estudo (lo-fi hip hop; ambient music; novas formas de Muzak, etc.);

- Sons que incomodam (JBL na praia, carro de som, vizinhança barulhenta, maquinário, etc.) e sons que dão prazer (ASMR, iDoser, binaural beats, ruído branco para dormir);

- Escuta e afeto;

- Semiótica da escuta;

- Escuta, som e audiovisual;

Machine learning, inteligências artificiais e big data operando no universo da escuta e ruído/foley;

- Taxonomias de escutas e suas desterritorializações;

- Escutas não normativas e Estudos de Som;

- Condições de escuta singulares – perda auditiva, zumbido, hiperacusia etc – e identidade;

- Culturas aurais desafinadas;

- Práticas sonoras e política;

- Sons e ruídos como tecnologias de modulação de si.

 

Data-limite para submissões: 31/03/2024

Data de publicação do dossiê: 1º/07/2024

Os artigos devem ter de 30.000 a 40.000 caracteres (com espaços). A INTERIN aceita submissão de artigos de doutores e doutorandos; outras titulações poderão submeter desde que em coautoria com doutores. Os textos para submissão devem ser enviados pela plataforma da revista em formato .doc ou .docx.


Referências citadas

PEREIRA, Vinícius Andrade. MERSBE: Mercado de Ruídos e Sons para o Bem-Estar: modulações da escuta e cultura aural contemporânea. Intexto, n. 52, 2021.

SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo. São Paulo, SP: Unesp, 2001.