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A paisagem olímpica do Rio de Janeiro: natureza e ruínas no discurso institucional The Olympic landscape of Rio de Janeiro: nature and ruins in the institutional discourse
Débora Gauziski de Figueredo Bueno
Doutora em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: deboragauziski@gmail.com
Resumo:
O artigo discute como a paisagem do Rio de Janeiro foi representada na narrativa das transformações urbanas para os megaeventos esportivos, em especial os Jogos Olímpicos de 2016. O objeto da análise são as fotografias produzidas pelo fotógrafo Cesar Barreto, contratado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, para o portal institucional Cidade Olímpica. A natureza carioca foi apresentada pelo discurso institucional, especialmente através do Dossiê de Candidatura para a Olimpíada, como um elemento agradável ao olhar dos estrangeiros, que inclusive ajudou a eleger a cidade. Por outro lado, as imagens das paisagens degradadas eram destinadas ao público interno, os moradores do Rio, servindo como justificativa para as grandes intervenções urbanas. Cesar Barreto fotografou esses dois tipos de paisagem, categorizadas aqui paisagem natural-construída e paisagem-ruína, para uma sessão especial do portal.
Palavras- chave:
Fotografia; Paisagem; Megaeventos; Rio de Janeiro.
Abstract:
The paper discusses how the landscape of Rio de Janeiro was represented in the narrative of the urban transformations for the mega sporting events, especially the 2016 Olympic Games. The object of the analysis is the photographic work produced by the photographer Cesar Barreto, contracted by Rio de Janeiro City Hall, for the institutional site Olympic City. The ‘carioca’ nature was proposed by the institutional discourse, especially through the Application Dossier for the Olympic Games, as a pleasant element for the foreigners look, even helping the city to be elected. On the other hand, the images destined to the internal public, Rio’s residents, served as justification for the great urban interventions. Cesar Barreto photographed these two types of landscape, categorized here as natural-built landscape and ruin landscape , for a special session in the website.
Keywords :
Photography; Landscape; Mega events; Rio de Janeiro.
1 Introdução
INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.
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No presente artigo, analisamos como a paisagem carioca foi explorada na narrativa sobre a requalificação urbana do Rio de Janeiro para os megaeventos esportivos internacionais, em especial os Jogos Olímpicos de 2016. Desde o momento da candidatura para os Jogos, os governantes e agências envolvidos no processo vinham divulgando o Rio internacionalmente como uma cidade em que os hábitos de vida se integravam às paisagens naturais (RUBIO, 2016; JAGUARIBE, 2011).
“A natureza não é somente parte do Rio de Janeiro, ela é a própria cidade”, reforçava o Dossiê de Candidatura (2009, p. 86) para os Jogos. Essa ideia da natureza como um aspecto intrínseco à urbe carioca estava presente em muitos dos produtos midiáticos produzidos pelo Comitê Rio 2016 e pela Prefeitura do Rio, como o filme publicitário de candidatura1. Dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles, o vídeo mostrava belas cenas de praias, lagoas e topografias cariocas a partir de ângulos abertos e tomadas aéreas, conferindo um ar de grandiosidade aos cenários, apresentados como palcos abertos e democráticos aos esportes. Curiosamente, após a cidade ter sido eleita, outro elemento se somou à narrativa institucional: a ênfase nas paisagens degradadas do Rio como justificativa para as intervenções urbanas.
Nesse trabalho investigamos como esse discurso se refletia através das imagens presentes no sítio institucional Cidade Olímpica, em especial as fotografias produzidas por Cesar Barreto para a sessão especial O Olhar de Cesar Barreto. Inaugurado em 2011 e excluído em 2017, esse sítio centralizava informações sobre as obras e projetos em andamento para os Jogos Olímpicos de 2016. Além das matérias jornalísticas, nele eram publicados fotografias, vídeos e infográficos.
Entre 2011 e 20132, Cesar Barreto foi contratado pela Prefeitura do Rio, através da agência Casa Digital, para prestar o registro fotográfico do processo de revitalização da cidade para a Olimpíada que estava por vir. Barreto produziu um arquivo fotográfico da cidade antes e durante as reformas, retratando especialmente canteiros de obras e cenários que enfrentariam apagamentos com as demolições. Uma particularidade do acervo é que as fotos são em preto e branco, produzidas com câmeras analógicas de grande e médio formato3 .
1 Disponível em: <https://goo.gl/Aaxsq9>. Acesso em: 8 out. 2018.
2 O projeto estava previsto a seguir até 2016, mas o contrato foi interrompido em 2013.
3 Cesar utilizou câmeras analógicas – modelos das marcas Da Yi, Shen Hao, Fuji, Tomiyama, entre outros –, com formatos variando entre 6x9 centímetros e 5x7 polegadas, mas com a maior parte do
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A paisagem é compreendida nesse artigo como uma questão política e estética. Partimos da ideia de que a concepção de uma nova paisagem para o Rio de Janeiro ocorreu tanto no espaço físico, com as obras e demolições, quanto através das representações desse processo em fotografias, vídeos e discursos. Ou seja, a noção é aqui entendida não apenas como uma representação visual, mas também como um processo que organiza e cria espaços.
Conceitualmente, o termo paisagem refere-se às formas de representação dos ambientes espaciais. O tema vem sendo amplamente explorado por dife rentes disciplinas e perspectivas acadêmicas, dentre elas a da Comunicação, constituindo um campo chamado de landscape studies (ELKINS; DELUE, 2008), que possui diversas abordagens, metodologias e enfoques teóricos4. Na História da Arte, existe certo consenso de que a ideia de paisagem remete à pintura ocidental do século XV5, após o surgimento da perspectiva, artifício técnico baseado em cálculos matemáticos e estudos anatômicos. A técnica da perspectiva instituiu uma maneira mais realista de representação espacial, simulando profundidade entre os planos de uma pintura ou ilustração, através de pontos de fuga para onde convergem linhas imaginárias.
Para a historiadora da arte Anne Cauquelin (2007), a ideia de paisagem não apenas inventa novos modos de representação do espaço, mas também modifica a percepção visual do Ocidente. Em concordância com esse argumento, William John Thomas Mitchell (2002) aponta que a noção de paisagem foi construída por meio de convenções artísticas, modos de representação e discursos de modo a transmitir uma ilusão de neutralidade. A paisagem, para ambos os autores, nada tem de neutra, pois é instrumento e agente de poder.
2 Paisagem natural-construída: a natureza como invenção cultural
material concentrado em chapas de 4x5 polegadas e filmes panorâmicos de 6x17 centímetros. Cesar nos explicou que revelava os negativos e chapas, fazia contato, escaneava as imagens em média resolução e as tratava antes de enviá-las para a equipe do Cidade Olímpica .
4 Em uma breve revisão de literatura sobre o assunto, é possível encontrar trabalhos sobre o tema da paisagem relacionados às disciplinas da História da Arte, Geografia, História, Sociologia Urbana, Arquitetura, Geologia, Literatura, Biologia, Antropologia, Religião, Neurociência, Estudos de Gênero, entre outras.
5 A emergência do termo paisagem ocorre na Holanda por volta de 1415, chegando posteriormente à Itália, onde se consolida.
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Um dos clichês mais comuns quando se trata do Rio de Janeiro são suas paisagens naturais. Essa referência é recorrente no próprio modo como a cidade se vende turisticamente para o mundo: um local onde a natureza coexiste com o concreto urbano. Suas praias, montanhas, florestas e cachoeiras são destacadas em comerciais de produtos, propagandas de agências turísticas e campanhas da própria Prefeitura do Rio. Até o Comitê Olímpico Brasileiro utilizou esse apelo das belezas naturais no Dossiê de Candidatura para os Jogos Olímpicos, como é possível conferir nos dois excertos abaixo:
O Rio de Janeiro é a cidade do carnaval e das descobertas. Durante séculos, pessoas vieram dos quatro cantos do planeta para admirar sua beleza , experimentar seu espírito único, e para provar a paixão e a emoção do seu modo de vida. Estas são algumas das razões que fazem do Rio uma das cidades mais conhecidas do mundo, célebre por suas praias a perder de vista, atrações icônicas, cordialidade e simpatia do seu povo. Se o Rio tiver a honra de sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, a cidade poderá organizar uma celebração excepcional do esporte em um cenário sem igual no mundo (DOSSIÊ DE CANDIDATURA, 2009, p. 15, grifos nossos).
Os Jogos Rio 2016 aproveitarão ao máximo a paisagem natural da cidade, a experiência em eventos de grande porte e a hospitalidade dos cariocas para organizar uma festa que irá atrair e empolgar o mundo inteiro (DOSSIÊ DE CANDIDATURA, 2009, p. 23, grifos nossos).
Esses fragmentos do Dossiê fazem uso de uma série de chavões sobre o Rio, como as festas de carnaval, as qualidades do povo carioca (simpatia, cordialidade e hospitalidade) e as paisagens, como nos trechos grifados: admirar sua beleza, praias a perder de vista, cenário sem igual no mundo e paisagem natural. As características ressaltadas, sejam elas reais ou idealizadas, reforçam propositadamente uma determinada visão estereotipada que outros países têm da cidade, atuando como clichês que ajudam a posicionar a marca Rio no cenário global, como já discutido anteriormente por Freitas, Lins e Santos (2014). A natureza idealizada foi um dos elementos utilizados pelo branding6 publicitário (gestão da marca) construído para o Rio, além das referências à sua cultura popular, vocação turística e repertório histórico :
6 Segundo o Cambridge Dictionary (online), o termo branding pode ser definido como “a atividade de conectar um produto a um nome, símbolo, etc. particular ou a características ou ideias a fim de fazer as pessoas o reconhecerem ou quererem comprá-lo”. Disponível em: <https://goo.gl/MRav4w>. Acesso em: 01 ago. 2018 .
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O atual branding do Rio de Janeiro como “cidade maravilhosa” encontra - se, portanto, numa encruzilhada de representações, mas ele obedece aos receituários globais. Por um lado, é necessário enfatizar o local color dado pela topografia arrebatadora, a cultura popular vibrante e a mistura de raças e classes. Entram aí os cartões postais já consagrados do cenário carioca, entre os quais o Maracanã, o Sambódromo, as praias cariocas (JAGUARIBE, 2011, p. 343, grifos da autora ).
Segundo Beatriz Jaguaribe, o papel do branding aplicado às cidades é torná - las visíveis e identificáveis no imaginário global. Essa nova forma de publicidade, que articula “autoridades administrativas e políticas, empresários do setor privado, arquitetos, urbanistas e agências de publicidade” (JAGUARIBE, 2011, p. 330), teve início nos anos 1970, com o desenvolvimento da economia capitalista globalizada. Os agentes envolvidos nesse processo vendem ao mundo a imagem de uma cidade ideal, através da criação ou reforço de determinados repertórios – no caso explorado nesse artigo, a natureza carioca.
De certo modo, as fotografias de Cesar Barreto corroboram com a ideia de uma paisagem idílica e sem conflitos, o que pode ter sido um dos motivos pelos quais ele foi escolhido para documentar o período olímpico do Rio de Janeiro. Em uma entrevista concedida ao jornal O Dia, a fala do fotógrafo possui relação justamente com a ideia de uma natureza monumental: “A beleza é o que me atrai, sou um voyeur ” (MAIA, 2013, online)7. A fotografia abaixo, que não integrava a fotogaleria especial do Cidade Olímpica, pois havia sido realizada previamente por Barreto, já revelava dessas algumas dessas características.

Fig. 1 – “Manhã na Vista Chinesa” (Cesar Barreto, 1999).
Fonte: Reprodução da internet8 .
7 Disponível em: <https://goo.gl/HZdoMY>. Acesso em: 18 nov. 2015.
8 Disponível em: <https://goo.gl/CwjCRm>. Acesso em: 12 mai. 2018.
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Percebemos nessa imagem a natureza representada de forma etérea, quase romântica. Do alto da Vista Chinesa, o fotógrafo contempla e registra a cena, tornada paisagem bela e idílica. O título da foto nos apresenta a informação de que a imagem foi produzida durante o dia (“Manhã na Vista Chinesa”), o que explica a névoa suave que rodeia e encobre partes da topografia, típica do início das manhãs. OPão de Açúcar mal aparece em meio à cadeia montanhosa, que, num degrade acinzentado9, se funde ao oceano e ao céu de poucas nuvens. Os morros se encadeiam e esvaem na direção do horizonte, posicionado na metade do frame, até onde alcança o olhar do observador. Aluz do sol que ilumina a cena parece mais dura que a observável usualmente durante as manhãs por conta do alto contraste utilizado pelo fotógrafo. O estilo de composição da foto possui semelhança com as vistas fotográficas de Marc Ferrez no final do século XIX10 .
Essa fotografia, que integra o fotolivro Rio Pictoresco (2013), foi produzida em 1999. É curioso constatar como o fato de ela ser em preto e branco nos faz perder o referencial temporal; isto é, tanto poderia ter sido feita antes de 1999 como nos dias atuais. No entanto, a ocupação massiva do espaço, com prédios à beira-mar e ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas, captados pela foto, nos impede de voltar muito no tempo. A ideia do belo na paisagem foi desenvolvida especialmente pelo Romantismo
no século XVIII, como uma reação ao progresso científico. No imaginário desse período romântico, “a natureza deixou de ser um conjunto de fenômenos científicos, contidos em leis deterministas, para ser um objeto de contemplação” (VIEIRA, 2007, p. 46). O Romantismo também possuía apreço pelas paisagens justamente porque um dos ideais românticos era a harmonia entre o homem e a natureza. Uma grande fonte de inspiração para as paisagens românticas era a ideia do jardim inglês, concebido por volta de 1720, que, ao contrário do geométrico jardim barroco francês, apresentava “agrupamentos naturais de árvores, aparentemente selvagens” (WOLF, 2008, p. 10). Ou seja, o Romantismo, ao mesmo tempo em que idealizava a natureza, também propunha sua representação de forma menos restrita a certas convenções. Percebemos uma dualidade na obra de Cesar, que parece ser um misto de fotógrafo romântico e
9 Resultado obtido, provavelmente, por meio do uso de um filtro graduado na lente da câmera.
10 Em especial, nos lembramos da fotografia “Panorama parcial do Rio de Janeiro” (Marc Ferrez, c. 1885). Disponível em: <https://goo.gl/LnxF4Q>. Acesso em: 8 jul. 2018.
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técnico, em busca de uma natureza idealizada, mas com a preocupação de criar imagens precisas .
Considerar Cesar Barreto como um romântico pode parecer contraditório, levando em conta que a fotografia é um meio técnico ligado à modernidade e, consequentemente, ao ideal de progresso11. No entanto, as câmeras e processos antigos utilizados por Barreto remetem a um estilo de fotografia que pode ser considerado datado por alguns, convertendo o fotógrafo num romântico no contexto da produção fotográfica atual. Apesar da convivência entre tecnologias e técnicas de diferentes tempos e materialidades no contemporâneo – fenômeno relacionado à cultura da convergência (JENKINS, 2008)12 e ao processo de remediação (BOLTER; GRUSIN, 2000)13 –, não deixa de parecer curioso que um fotógrafo opte por utilizar um equipamento pesado, grande e robusto, não muito prático de ser carregado consigo, ainda mais em locais rústicos como canteiros de obras. Cesar Barreto não se mostra avesso à tecnologia digital, embora seja incomum ele utilizar câmeras digitais em seus trabalhos e raras sejam suas fotos coloridas.
As duas fotografias reproduzidas a seguir (fig. 2), estas integrantes do trabalho produzido para o Cidade Olímpica, apresentam grande semelhança entre si, apesar de terem sido produzidas em locais diferentes da cidade. OPão de Açúcar, um dos pontos turísticos mais populares do Rio e do Brasil, foi registrado pelo fotógrafo a partir de dois pontos de vista: Santa Teresa e comunidade Santa Marta. Esse monumento
11 Na segunda metade do século XIX, quando alcança popularidade, a fotografia se tona alvo de crítica por intelectuais românticos como o poeta Charles Baudelaire. Em seu texto sobre o Salão de 1859, Baudelaire (2010, p. 79-80) opina que “a indústria fotográfica era o refúgio de todos os pintores medíocres, mal dotados ou preguiçosos demais para terminarem seus estudos”. Ele era contrário à noção de uma “fotografia artística” que emergia à época, pois acreditava que, sendo uma “reprodução exata da natureza”, a fotografia deveria cumprir um papel meramente utilitário de registro e memória.
12 Henry Jenkins (2008, p. 27) define a cultura da convergência como o momento atual “onde as velhas e novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis”. Nesse cenário, as mídias novas não substituem as antigas, como os analistas da comunicação previram no passado, mas convivem de maneiras imprevisíveis: “Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias” (JENKINS, 2008, p. 39- 40).
13 A remediação é o processo no qual um meio incorpora características e linguagens de outro. Nesse cenário, mídias antigas (como o filme e a televisão) se apropriam das digitais e vice-versa. No caso da fotografia digital, Bolter e Grusin (2000, p. 105), apontam que, por não possuir um processo químico como na analógica, acaba se localizando entre o processo fotográfico e a computação digital.
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natural é bastante presente nas fotografias de Barreto, até mesmo ilustrando a capa de seu fotolivro Rio Pictoresco .

Fig. 2 – Duas vistas do Pão de Açúcar (Cesar Barreto, s/d).

Legenda: Pão de Açúcar fotografado de Santa Teresa (acima) e da comunidade Santa Marta (abaixo). Fonte: Reprodução da internet14 .
O Pão de Açúcar representa bem a ideia de uma paisagem natural- construída: é composto por duas formações geológicas, com edificações construídas em seu cume, conectadas por bondes15. Nessas composições podemos notar elementos relacionados ao mundo natural (as árvores nas encostas dos morros e a topografia) e ao artificial (os prédios e casas distribuídos nos diversos planos da paisagem). Mas estas paisagens são construções não apenas por haver nelas elementos introduzidos ou modificados pelo homem: a ideia de natureza, em si, também é uma invenção cultural e social. Como aponta Simon Schama (1995, p. 61), a paisagem é cultura antes de ser natureza. Entretanto, costuma-se considerar a ideia e a representação da natureza como se fossem espontâneas e independentes dos seres humanos, já que, ao longo da história,
14 Disponível em: <https://goo.gl/QP7Ygf>. Acesso em: 4 mai. 2015.
15 De acordo com o site oficial do Bondinho do Pão de Açúcar, esse foi o primeiro teleférico instalado no Brasil e o terceiro no mundo. O primeiro trajeto (Praia Vermelha —Morro da Urca) foi inaugurado em 1912 e, um ano depois, o segundo (Morro da Urca-Pão de Açúcar). Posteriormente, os bondes que conectam os morros foram modernizados três vezes (1972, 2008 e 2016). Disponível em: <https://goo.gl/jCft5G>. Acesso em: 5 jun. 2018.
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suas convenções e técnicas pictóricas foram se tornando invisíveis aos olhos humanos. Para Jean Marc-Besse, a paisagem é um enquadramento do mundo, sintetizada na metáfora de uma janela que se abre para a realidade, “seja essa janela apenas parte do quadro, ou confundida com o próprio quadro com um todo” (BESSE, 2014, p. 15). Ou seja, a paisagem foi arquitetada como um equivalente à natureza ao mesmo tempo em que submeteu a visão humana a um processo de adaptação.
Por outro lado, é difícil encontrar hoje ambientes que não tenham sido explorados ou modificados em algum nível pelo homem. Mesmo naqueles que parecem obras únicas da natureza, como cenas bucólicas de bosques, prados verdejantes e campos floridos, é provável que o ser humano tenha exercido alguma interferência, seja desviando o curso de rios, implodindo pedreiras ou cortando árvores para a abertura de pastos e estradas. Não obstante, as marcas dessas modificações na paisagem natural tendem a ser intencionalmente ignoradas pelos observadores, a menos que nela estejam presentes construções mais claramente ligadas à ação do homem, como é o caso das retratadas pelas fotografias de Barreto acima.

Fig. 3 – As duas vistas do Pão de Açúcar colocadas lado a lado (Cesar Barreto, s/d).
Ao observarmos as duas imagens lado a lado (fig. 3), é possível perceber que elas parecem se integrar, formando uma imagem panorâmica. Em ambas as fotos, a encosta foi posicionada na metade vertical do frame, criando uma linha diagonal que as divide. Provavelmente, o fotógrafo não tinha em mente estabelecer uma continuidade entre as duas imagens, mas isso nos revela um pouco do seu estilo de composição e as operações e escolhas recorrentes evocadas por ele ao fotografar uma paisagem. Essas duas fotos remetem ao desejo do fotógrafo de criar novos cartões postais a partir de paisagens célebres, excessivamente clicadas. Como produzir registros diferentes em meio a tantos outros, especialmente após a popularização da fotografia digital?
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Como nos diz Mitchell (2002, p. 20), por mais clichê que certas paisagens tenham se tornado, elas continuam sendo objeto de apreciação na contemporaneidade: “As convenções tradicionais da paisagem do século XVIII e XIX são agora parte do repertório do kitsch, reproduzidas incansavelmente pela pintura amadora, cartões postais, pacotes de turismo e emoções pré-fabricadas”16. Na percepção de Cesar Barreto, contudo, os melhores registros da paisagem carioca encontram-se no passado. Para ele, “a cidade é bem-documentada até a década de 30, mas, depois disso, a qualidade foi caindo” (MAIA, 2013, online)17. Parece contraditório o trabalho de um fotógrafo com um discurso tão nostálgico ter sido associado à ideologia progressista adotada pela Prefeitura do Rio no contexto de realização dos Jogos Olímpicos. Porém, ao analisarmos tanto essa fala quanto seu estilo fotográfico vintage dentro do contexto da narrativa institucional, que trazia referências ao passado da cidade do Rio, como a reforma urbana de Pereira Passos e as fotografias de Augusto Malta e Marc Ferrez da Belle Époque carioca (cf. GAUZISKI, 2017)18, percebemos que a escolha pelo fotógrafo não foi por acaso.
3 Paisagem-ruína: fragmentos, terrain vagues e canteiros de obras Cesar Barreto também registrou o que estamos considerando como paisagens -
ruínas, imagens que evocam simultaneamente ruínas do passado e do presente. A interferência na paisagem do presente cria ruínas a partir dos escombros das construções antigas. Algumas delas, contudo, já eram ruínas, edificações deterioradas pelo tempo e pela falta de conservação pelo poder público. Essas fotografias tanto retratam elementos decadentes da paisagem quanto romantizam os restos da destruição deixados pelas demolições. Vejamos um exemplo.
16 Tradução-livre: “Traditional eighteenth — and nineteenth-century landscape conventions are now part of the repertory of kitsch, endlessly reproduced in amateur painting, postcards, packaged tours, and prefabricated emotions” (MITCHELL, 2002, p. 20).
17 Disponível em: <https://goo.gl/X5ts7S>. Acesso em: 18 nov. 2015.
18 Referências nostálgicas à Reforma Passos (1902-1906) podiam ser notadas nos discursos do prefeito Eduardo Paes e nos demais conteúdos audiovisuais publicados no portal Cidade Olímpica. Até o final do primeiro mandato de Paes (2009-2012), alusões ao ex-prefeito apareciam em seus discursos públicos. Paes, inclusive, contratou um ator caracterizado de Pereira Passos para a inauguração do Jardim do Valongo em 2012 (TABAK, 2012).
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Fig. 4 – Fotografia integrante da galeria “Evolução das obras no túnel da Saúde” (Cesar Barreto, s/d). Fonte: Reprodução da internet19 .
Uma paisagem degradada. Em meio às rachaduras do muro, um recorte quadrado, antes janela, se abre para um pedaço do céu e um vestígio de uma construção qualquer. Capim e ervas daninhas crescem desordenadamente (ou numa ordem que nos é indecifrável, própria das coisas da natureza). Cascalhos, pedras e galhos secos descansam no solo, que não parece ter sido percorrido por seres humanos há um bom tempo. Os andaimes e a grua nos dão a pista de que uma obra está ou esteve em andamento. Ao fundo, no alto do morro, os prédios em bom estado e as palmeiras, mais vivas que o matagal no primeiro plano, contrastam com os outros elementos da imagem. Embora a vegetação nos remeta a um local de clima tropical, a foto não traz referências a um tempo e um espaço específicos. Se não fosse pelo título da galeria (“Evolução das obras no túnel da Saúde”), não seria possível associar essa foto a alguma paisagem específica do Rio de Janeiro.
Podemos dizer que essa não é uma fotografia convencional de obras. Essa foto, em particular, se assemelha a um cenário pós-apocalíptico digno das distopias cinematográficas, o que, num primeiro momento, não parece condizer com o ideal de
19 Disponível em: <https://goo.gl/7wyvVv>. Acesso em: 4 mai. 2015.
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futuro progressista em torno dos megaeventos. Paradoxalmente, esses escombros também simbolizam uma metáfora para o renascimento da cidade, tal qual uma fênix. A região portuária do Rio era tratada na retórica da Prefeitura antes das reformas como um terrain vague (SOLÀ-MORALES, 2014); isto é, um espaço abandonado e sem atividades relevantes. Inspirada pela tendência mundial de requalificação de áreas industriais e portuárias, a Prefeitura tinha o objetivo de transformar a região num polo econômico e turístico. A fim de justificar as obras, a narrativa institucional buscava atrelar a região à imagem de um local decadente, ao mesmo tempo em que referenciava paradoxalmente seu passado longínquo, especialmente a herança africana20, como capital cultural e simbólico. O Cais do Valongo21 foi um exemplo interessante nesse sentido.
A foto de Cesar Barreto nos apresenta o Cais do Valongo em processo de escavação. Envolto por um tapume, ele é simultaneamente um monumento-ruína e um canteiro de obras. As pessoas presentes nessa fotografia parecem servir apenas como referência a dimensionar o tamanho grandioso desse espaço.

Fig. 5 – Fotografia integrante da galeria “Barão de Tefé” (Cesar Barreto, s/d).
Fonte: Reprodução da internet22 .
20 Há um roteiro cultural no Porto Maravilha (“Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana”) que inclui os principais pontos relacionados à memória da escravidão e da cultura negra: Cais do Valongo e Cais da Imperatriz, Pedra do Sal, Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Cemitérios dos Pretos Novos e Centro Cultural José Bonifácio.
21 Inaugurado em 1811, o Cais do Valongo foi o principal porto de desembarque de escravos africanos nas Américas. Em 1843, ele é reformado para a recepção da Imperatriz Teresa Cristina, futura esposa do imperador Dom Pedro II, e passa a se chamar Cais da Imperatriz. No início do século XX, o monumento foi aterrado por Pereira Passos, que desejava apagar os vestígios coloniais da cidade.
22 Disponível em: <https://goo.gl/nxLcp9>. Acesso em: 4 mai. 2015.
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A Prefeitura do Rio apresentava a versão, replicada pela imprensa23, de que o Cais do Valongo havia sido descoberto com as obras na região24. Sua localização, contudo, já era conhecida por historiadores e essa informação constava inclusive em um obelisco situado na Praça Jornal do Comércio, nas imediações. Em 2017, o Cais do Valongo foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, ampliando o capital cultural e turístico da cidade internacionalmente.
Já a fotografia abaixo é um exemplo de uma ruína do presente. Cesar Barreto registrou o Autódromo de Jacarepaguá em seu momento de tensão, em vias de ser completamente apagado. Não é possível saber se seu processo de demolição já estava em curso, embora as gruas no plano distante da imagem nos recordem da impossibilidade de resistir ao progresso. A paisagem transmite instabilidade, pois aos poucos se aproximava o seu momento derradeiro. A pista de corrida ainda exibia em seu asfalto as impressões dos pneus de carros e motos que ali competiram. Uma grade, posicionada no centro do quadro, separava a pista da arquibancada, na qual os amantes do automobilismo vivenciaram inúmeras competições, que se tornariam apenas um registro em suas memórias. Em breve, os elementos presentes nessa composição perdurariam somente através da própria imagem.

Fig. 6 – Foto integrante da galeria “Parque Olímpico” (Cesar Barreto, s/d).
Fonte: Reprodução da internet25 .
23 Cf. ROMERO, Simon. “Sítios arqueológicos são descobertos em meio a obras no Rio de Janeiro” (2014). Disponível em: <https://goo.gl/9GfqBV>. Acesso em: 14 jan. 2015.
24 Quinhentos mil itens arqueológicos (adornos, objetos, amuletos e ossadas) foram encontrados no local durante as escavações. Esses itens foram armazenados em um depósito da Prefeitura, com a promessa de que seria criado um museu para abrigá-los definitivamente. Até o momento (2018), nenhuma iniciativa estatal foi tomada nesse sentido.
25 Disponível em: <https://goo.gl/zWjSPR>. Acesso em: 4 mai. 2015.
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Essa imagem possui ainda relação com um dos temas mais registrados por Barreto ao longo de seu trabalho para a Prefeitura: os cenários antes do impacto das reformas. Esse tipo de fotografia reforça o lugar do fotógrafo como responsável pelas memórias visuais de lugares extintos da cidade. Mesmo que não registre o momento exato da destruição, a foto acima evoca o apagamento de um pedaço do território urbano, o autódromo, que sabemos não mais existir ali. A imagem atua, assim, como uma ponte entre presente e passado.
A escolha deste local para a instalação do Parque Olímpico foi motivada pelo amplo espaço disponível para sua construção. Por outro lado, a opção dos idealizadores do megaevento por concentrar grande parte das competições na Barra se prestava ao objetivo latente de incentivar novos empreendimentos imobiliários na região, como o condomínio residencial Ilha Pura26. A construção do Parque Olímpico também nos remete, novamente, à ideia da paisagem natural, com diversas montanhas e a Lagoa de Jacarepaguá ao fundo.
De modo geral, os idealizadores das arenas para os megaeventos esportivos também levam em consideração o modo como essas novas construções e as paisagens ao seu redor serão exibidas pelas filmagens aéreas durante a transmissão televisiva27 . Ou seja, não basta transformar a paisagem física da cidade: elas também precisam parecer belas nas imagens:
Realidades urbanas mais mundanas, menos fotogênicas, que possam afetar negativamente as percepções globais sobre a cidade e sugerir pobreza, subdesenvolvimento ou atraso são mostradas muito rapidamente, cortadas fora ou apagadas digitalmente. Podemos refletir sobre os vídeos promocionais apresentados pelo comitê de candidatura do Brasil às Olimpíadas, onde os locais para as arenas na Zona Norte são mos trados como objetos isolados, enquanto os bairros circundantes onde mora a classe trabalhadora são deixados de fora da cena. Nas vistas deslumbrantes do Rio, os potentes raios solares iluminam porções da paisagem de forma a apagar, convenientemente, a presença de favelas. Da mesma forma, o material sobre a candidatura do Rio muitas vezes retrata o Maracanã a partir
26 O Ilha Pura foi construído a partir da estrutura das Vilas Olímpica e Paralímpica, que haviam hospedado os atletas. Apesar dos investimentos em publicidade à época, os apartamentos tiveram baixa vendagem, ao contrário do esperado pelos idealizadores do projeto (RODRIGUES, 2017).
27 Um exemplo que ilustra bem essa ideia é o estádio principal da edição da Copa do Mundo na África do Sul, em 2010. Essa arena foi construída no bairro de Green Point, em meio à bela paisagem local, composta pelo oceano e cadeias rochosas, e não nas outras duas alternativas, os estádios de Newlands e Athlone, que necessitavam apenas de uma reforma. O principal ponto contra o estádio de Athlone era a presença de favelas no seu entorno, que não tornariam atrativas as imagens televisivas do evento (OLIVEIRA; VAINER, 2014, p. 92).
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dos mesmos ângulos, para evitar mostrar a favela da Mangueira no plano de fundo (BROUDEHOUX, 2014, p. 29).
A construção do Parque Olímpico implicou a remoção da comunidade Vila Autódromo, que estava sediada às margens da Lagoa de Jacarepaguá. A prefeitura possuía o plano de construir um estacionamento na área, que acabou não sendo concretizado. A maioria dos imóveis foi desapropriada, motivo de grande reação pública negativa, e as famílias residentes realocadas em novos imóveis no bairro, através do programa Minha Casa, Minha Vida. Outras, que se recusaram a sair, permanecem lá até hoje. Certamente, a desapropriação da Vila Autódromo também foi motivada pela ideia apresentada acima por Broudehoux; isto é, gerar atrativas imagens de paisagens para os canais de televisão, eliminando tudo que pudesse ser desagradável aos telespectadores.
4 Considerações finais
As paisagens da natureza carioca foram incorporadas com o valor de commodity na narrativa olímpica. Um exemplo disso é que os legados ecológicos também foram promessas nessa edição brasileira dos Jogos, tendência presente desde a edição de Sydney/2000. Um dos compromissos olímpicos era a concepção da Floresta dos Atletas, que previa o plantio de 13 mil árvores, germinadas a partir de sementes colocadas em cápsulas pelos atletas na cerimônia de abertura. Até o final de 2017, esse projeto ambiental, que tentava compensar as árvores cortadas e os g ases estufa emitidos ao longo do evento, não havia sido cumprido28. A preocupação com a natureza, que era exaltada no discurso olímpico, ficou apenas nisso: no discurso.
Por outro lado, temos as paisagens-ruínas, representadas através de imagens de áreas degradadas, em especial as da região portuária. Esse local da cidade, rebatizado Porto Maravilha, foi o maior símbolo das obras olímpicas, com a construção de novas vias e espaços culturais (Museu de Arte do Rio, Museu do Amanhã, AquaRio) e a
28 Segundo a empresa responsável (Biovert), em matéria publicada no Globo Esporte (2017), a promessa não foi concretizada porque o Comitê Rio 2016 não repassou a verba para a execução do plantio. A empresa afirmava ainda que estava cuidando das mudas por conta própria e já havia gasto em torno de 600 mil reais em sua manutenção.
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revitalização da Praça Mauá. A ideia do abandono do porto, em particular, já vinha sendo construída através de “metáforas e metonímias visuais e verbais” desde o Plano Porto do Rio, concebido pela prefeitura de Cesar Maia em 2001 (GUIMARÃES, 2014, p. 34). Entretanto, alguns dos locais considerados pelos planejadores urbanos como precários ou arruinados eram vistos positivamente pelos moradores da região portuária, uma vez que remetiam a famílias “ligadas ao porto e ao comércio pequeno ou informal” (GUIMARÃES, 2014, p. 47). Essa situação evidencia que o poder público muitas vezes está alheio às dinâmicas sociais e produtivas dos lugares que pretende requalificar. Como esclarece Paolo Perulli (2012, p. 181), o “esvaziamento da cidade pertence à dinâmica da ‘destruição criadora’ própria do capitalismo”. A mesma lógica capitalista responsável pelo surgimento de áreas abandonadas no tecido urbano29 decide reocupá- las.
Mitchell (2002) aponta que o surgimento e desenvolvimento das paisagens é uma consequência do capitalismo, que as transforma em objetos de consumo a serem comprados, consumidos e compartilhados. No caso do Rio olímpico, essa noção estava presente nas imagens do processo de revitalização da cidade (com as fotografias de paisagem de Cesar Barreto), nos conteúdos publicitários do megaevento e na própria concepção do espaço físico da cidade (orientada também pelas imagens aéreas a serem exibidas nas transmissões televisivas). Uma síntese para essas ideias pode ser encontrada na afirmação de Arantes (2012, p. 19) de que a arquitetura é transformada em paisagem quando “nasce para virar imagem de si mesma”.
REFERÊNCIAS
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29 Para Perulli (2012), esses vazios urbanos também são ocasionados pelas grandes corporações, quando decidem abandonar suas matrizes nas cidades, como o recente caso de Detroit, nos Estados Unidos.
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